Estudos e estatísticas confirmam a percepção geral de que os desastres ambientais estão mais frequentes e intensos no país. Entre 1991 e 2012, esses eventos quintuplicaram, saltando de 773 ocorrências para 3.803, de acordo com dados do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais. Mas, é possível evitar ou reduzir os impactos desses eventos? O especialista em desastres ambientais e professor de Oceanografia da UFRJ, David Zee, garante que sim. Segundo ele, a precisão na avaliação dos riscos, a partir de estudo de cenários e estatísticas, pode levar à redução ou até à eliminação dos danos.
Este assunto trouxe Zee a São Paulo, no dia 23 de maio, para participar do seminário que discutiu as mudanças no perfil de seguros em decorrência dos desastres naturais e acidentes de impacto ambiental, promovido pela Schalch Sociedade de Advogados (SSA). O evento também contou com a participação do advogado português Nuno Luis Sapateiro, coordenador da área de Seguros no escritório PLMJ, por meio de videoconferência. A mediação foi realizada pela sócia da SSA, Debora Schalch, que tem atuação concentrada em sinistros de grande complexidade técnica.
Avaliação do risco
Segundo Zee, os desastres naturais aumentaram exponencialmente no país nas últimas décadas. Entre 1993 e 1997, foram registradas 300 inundações, e, entre 2013 e 2017, 4.721. Nesse mesmo período, os vendavais aumentaram de 294 casos para 1.709. No Rio de Janeiro, o evento de maior frequência é o temporal, com 109 registros, entre 1991 e 2016. As ressacas e ventanias (furacões e ciclones) também estão mais frequentes. Zee explica que ambas se formam nos oceanos devido ao acumulo de energia solar, provocando alterações bruscas na morfologia (erosão e assoreamento), enchentes e colapso das edificações costeiras. “As cidades costeiras são um grande exemplo dos riscos que enfrentaremos nas próximas décadas”, disse.
No entanto, o professor lamenta que a percepção dos riscos em relação à evolução das ameaças climáticas aumente apenas quando ocorrem as catástrofes. Para ele, essa discrepância impede a instalação de medidas mitigadoras e de contingência. “O que não se consegue dimensionar é transferido ao seguro. Mas, sem um estudo técnico, esses riscos poderão ser inviáveis até mesmo para as seguradoras”, disse.
Daí porque conclui que para adequar o seguro ao risco é preciso realizar estudos mais profundos. “As seguradoras precisam de um trabalho técnico de previsão e estatísticas de risco que caracterize os cenários que eventualmente possam ocorrer”, disse. Ele sugere, ainda, a contratação de consultoria técnica especializada em eventos climáticos para estudar os cenários de riscos. “Isso também poderia induzir o cliente a tomar medidas para reduzir o risco”.
Como eliminar o risco
Zee explica que o risco é resultado da ocorrência concomitante de três fatores: ameaça, exposição e vulnerabilidade. No caso do risco ambiental, o excesso de chuva, por exemplo, pode ser uma ameaça se o empreendimento estiver instalado em uma área vulnerável, exposta a deslizamentos ou inundações. Embora não seja possível evitar a ameaça (chuva), ele afirma que é possível controlar a exposição e a vulnerabilidade do empreendimento. “Se um desses elementos for anulado, o risco também o será. Assim, para anular ou reduzir o risco das catástrofes ambientais, será preciso eliminar ou reduzir ao máximo qualquer um dos elementos dos quais o risco depende”, explicou.
O primeiro passo, segundo o especialista, é realizar um diagnóstico para identificar a vulnerabilidade do empreendimento. Em seguida, alterar, modificar ou minimizar a exposição. O ideal é que esse estudo seja feito antes da construção do empreendimento, mas, caso já esteja instalado, então o melhor é adotar medidas para conter ou segregar a exposição. “Em Nova Orleans, para evitar os impactos do aumento do nível do mar, foram construídos muros ao longo do canal do rio”, exemplificou.
Riscos na produção offshore
Zee também analisou a evolução dos acidentes com óleo no mar, as ressacas no litoral do Rio de Janeiro e os riscos futuros na produção offshore no Brasil. Atualmente, 90% do volume de petróleo extraído no Brasil vem do mar, de águas profundas, em área sujeita a instabilidade climática. “Esta condicionante potencializa os riscos de acidentes e deve ser considerada nos cálculos de seguro”, afirma.
Dados do Ibama revelam que os vazamentos de petróleo no mar aumentaram de 15 casos, em 2003, para 172, em 2012. Por outro lado, Zee enxerga mais oportunidades para o setor de seguros, ainda que a análise de risco na fase de extração seja mais complexa. “Haverá mais navios sondas, terminais e plataformas, que vão precisar de seguro”, disse.
Experiência de Portugal
Dentre os fenômenos naturais, os que mais preocupam o país são o risco sísmico e os incêndios florestais. Embora a última manifestação sísmica tenha ocorrido em 1755, causando a morte de 10 mil pessoas, o risco permanece. Tanto que depois de Istambul, na Turquia, Lisboa é a cidade europeia com o maior risco sísmico.
Nuno Luís Sapateiro informou que a maioria das residências não possui seguro, exceção para os prédios de apartamentos, que são obrigados por lei a contratar o seguro. Por causa dos altos valores dos prêmios para a cobertura de risco sísmico, o governo português estuda tornar esse seguro obrigatório. “Todos os prêmios de seguro de habitação terão um percentual destinado ao fundo sísmico”, informou.
Também está em estudo a criação de um fundo para a reconstrução de moradias e atendimento às vítimas de incêndios florestais. Em 2017, o país enfrentou um grande incêndio florestal que deixou 120 mortos. No mercado de seguros português a preocupação com as alterações climáticas tem suscitado discussões sobre a viabilidade do seguro. “Se esses riscos deixarem de ser incertos para se tornarem certos, como segurá-los? ”, questiona. Daí porque também se discute a contratação de especialistas em fenômenos climáticos para atuarem na cotação dos riscos.
“No Brasil e no mundo afora as catástrofes naturais estão aumentando. Comprovamos isso no nosso dia a dia por meio da assessoria jurídica que prestamos aos nossos clientes, seguradoras e resseguradoras, especialmente nas regulações de sinistros. Por isso, nos vimos na obrigação de trazer esse tema ao debate, até porque boa parte de nossos clientes garantem projetos que já estão sendo afetados pelas mudanças climáticas e suas diversas consequências”, disse Debora Schalch.
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