I
Introdução: a importância da sub-rogação e o pleno exercício do ressarcimento
*Por Rubens Walter Machado Filho e Paulo Henrique Cremoneze
A sub-rogação é um mecanismo jurídico previsto no artigo 786 do Código Civil, segundo o qual “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. Sua função é permitir que a seguradora, após cumprir sua obrigação de indenizar, possa buscar o ressarcimento junto ao efetivo causador do dano.
A sub-rogação e o exercício do direito de regresso são fundamentais para a saúde do negócio de seguro, porque evitam o enriquecimento indevido do responsável pelo dano, impactam positivamente na precificação dos prêmios (quanto mais exitosos forem os ressarcimentos, menores serão os preços dos seguros em geral) e promovem a boa ordem moral social, pois o causador do dano não fica impune por causa da previdência alheia (ou seja, a da vítima, segurado).
Por isso, ousamos afirmar que o negócio de seguros é, muito provavelmente, o que melhor abraça a ideia de interesse social amplo. E falamos isso não só porque um dos seus princípios informadores seja o mutualismo, mas por causa da sua capilar importância na sociedade.
Vivemos em sociedades de riscos, de muitas potenciais, fontes de danos, sendo imprescindíveis os seguros para a proteção das pessoas (naturais e jurídicas) e para a própria pacificação social. Hoje, é praticamente impossível viver sem o amparo de seguros e exercer atividades empresariais sem proteções. Não à toa afirmou Winston Churchill, cerca de 90 anos atrás: “Se me fosse possível, escreveria a palavra seguro no umbral de cada porta, na fronte de cada homem, tão convencido estou de que o seguro pode, mediante um desembolso módico, livrar as famílias de catástrofes irreparáveis.”
Exatamente por isso o legislador brasileiro protegeu de forma contundente a sub-rogação e o direito de regresso ao dispor, no art. 786, § 2º, do Código Civil, que é “ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.”[1] A norma é interessante porque revela que nem mesmo o ato jurídico perfeito praticado pelo segurado ou por terceiro pode atingir negativamente o direito de regresso.
Então, é certo dizer que o exercício desse direito é amplo e há de ser sempre integral, até mesmo em homenagem ao princípio da reparação civil integral, insculpido no art. 944 do Código Civil (“A indenização mede-se pela extensão do dano.”). De modo algum pecaremos por exagero ao afirmarmos que o ressarcimento em regresso do segurador sub-rogado contra o causador do dano não admite quaisquer restrições, sejam materiais, sejam instrumentais.
A nova lei de seguros do Brasil, a propósito, contemplou a força da sub-rogação e protegeu o direito de regresso das seguradoras, reproduzindo, em seu art. 94, grande parte do conteúdo e do sentido do texto já presente no Código Civil:
Art. 94. A seguradora sub-roga-se nos direitos do segurado pelas indenizações pagas nos seguros de dano.
- 1º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga a sub-rogação.
- § 2º O segurado é obrigado a colaborar no exercício dos direitos derivados da sub-rogação, respondendo pelos prejuízos que causar à seguradora.
- 3º A sub-rogação da seguradora não poderá implicar prejuízo ao direito remanescente do segurado ou do beneficiário contra terceiros.
A alteração não só repetiu a norma do art. 786 do Código Civil, como lhe conferiu ainda mais força ao prever um dever de colaboração do segurado para o amplo e integral direito de regresso do segurador, sob pena de imputação de responsabilidade. Por outro lado, garantiu ao segurado liberdade plena para exigir do causador do dano a reparação civil relativa à parte não contemplada na indenização de seguro. Isso, aliás, também é bom para o segurador, uma vez que não poderá mais ser condenado, quando denunciado da lide, a indenizar algo que vá além da importância segurada (o que, por mais absurdo que pareça, não raro acontece no cenário judicial brasileiro).
Enfim, considerando a tradição jurídica estabelecida no país, é perfeitamente possível dizer que a sub-rogação é um dos efeitos do pagamento de indenização e direito fundamental do segurador, que decorre antes da lei do que do próprio contrato de seguro, e que viabiliza outro direito, o de ser ressarcido em regresso. Este, por sua vez, impede benefícios indevidos a quem causa danos, e revestindo-se de invulgar função social, aproveita não só às seguradoras como às pessoas todas. Por isso, sub-rogação e ressarcimento são especialmente tutelados e incentivados, não se admitindo oposições de qualquer índole.
[1] Este artigo se manterá em vigor até 11 de dezembro de 2025, quando será então revogado pela Lei nº 15.040/2024 (nova lei dos seguros), promulgada em 9 de dezembro de 2024 e ora em vacatio legis.
A sub-rogação legal, no entanto, não se opera de forma plena e irrestrita. O ressarcimento, sim. A sub-rogação contém alguns limites, ditados pela natureza do instituto e destinados à sua própria proteção; limites que garantem uma amplitude no que lhe é fundamental. A sub-rogação tem como objeto exclusivo o direito material que emerge do evento danoso – e cujo reembolso o segurado poderia buscar do terceiro responsável em um primeiro momento. Por sua própria natureza, a sub-rogação não compreende direitos personalíssimos ou prerrogativas de índole processual, pois estas estão intrinsecamente vinculadas à posição jurídica do titular original e ao regime normativo aplicável à relação processual.
Essa distinção foi expressamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.282, ao afastar a possibilidade de a seguradora herdar, por sub-rogação, as prerrogativas processuais atribuídas ao consumidor, especialmente a de eleger o foro de seu domicílio como competente para o ajuizamento da ação.
O entendimento assentado foi de que os direitos de natureza processual a escolha do foro, não se transmitem com os direitos materiais, pois são prerrogativas pessoais, vinculadas ao titular originário da relação jurídica processual.
Embora tenha se desenvolvido no campo do direito do consumidor, esse raciocínio é de aplicação mais ampla e oferece base teórica sólida para outras relações jurídicas complexas, como as envolvidas no comércio e transporte internacionais.
É justamente nesse cenário que a discussão sobre os limites da sub-rogação assume especial relevância, notadamente quando a seguradora é instada a observar cláusulas estabelecidas em contratos dos quais não participou, como as cláusulas de eleição de foro estrangeiro presentes nos contratos de transporte de carga (marítimo ou aéreo).
E antecipamos algo muito importante e com o devido destaque, valendo-nos da boa dialética do direito. Festejamos a oportunidade de usar o Tema em estudo a outro campo do Direito dos Seguros, aquele em que se conecta com o Direito dos Transportes (Marítimo, em especial) e o fazemos sem prejuízo aos casos de ressarcimento dos sinistros de danos elétricos, nos quais também atuamos como advogados.
Explicamos: os direitos consumeristas aproveitados, até então, pelas seguradoras sub-rogadas podem ser alcançados igualmente por outras fontes legais, processuais, materiais e, mesmo, constitucionais. Questões de competência podem ser perfeitamente enfrentadas pelas regras civis e processuais, sendo que em muitos litígios as seguradoras ainda poderão se valer dos foros de seus domicílios, e a inversão do ônus da prova, por sua vez, tem amparo tanto no Direito Civil como no Direito Constitucional. Isso porque a imputação objetiva de responsabilidade da empresa fornecedora de energia elétrica se alinhará ao conceito de exercício de atividade de risco, manejo de fonte potencial de dano, conforme o §2º do art. 927 do Código Civil, e o de serviço público com solução de continuidade, próprio do regime de concessão pública de atividade (Direito Constitucional).
Então, sim, afirmamos com bastante segurança que o Tema não prejudicou verdadeiramente os legítimos direitos e interesses das seguradoras sub-rogadas nos casos de ressarcimento de sinistros de danos elétricos — já que os mesmos benefícios legais serão viabilizados por outras fontes — e ajudarão, e muito, nos litígios de mesma índole contra os transportadores marítimos internacionais de cargas. Em outras palavras: a derrota na elaboração do Tema não é amarga, mas doce, porque passível de conversão em vitória diante de uma utilização inteligente.
II
Tema 1.282/STJ: a tese firmada e o seu aproveitamento dos litígios de regresso contra transportadores internacionais de cargas, especialmente os marítimos.
No julgamento do Recurso Especial 2.092.308/SP, representativo da controvérsia do Tema 1.282, o Superior Tribunal de Justiça firmou este entendimento, com força de tese:
“ O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.”
A relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi, destacou que a sub-rogação prevista no artigo 786 do Código Civil não opera uma substituição plena e irrestrita da seguradora no lugar do segurado, pois se limita aos direitos materiais decorrentes do evento danoso. Em outras palavras, a seguradora não herda a posição processual do segurado de forma integral, mas apenas o que diz respeito ao conteúdo econômico do direito exercido:
“A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que a sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor.”
Essa observação tem especial valor interpretativo quando transposta para o campo do transporte internacional de mercadorias. Com frequência, esses contratos preveem cláusulas de eleição de foro estrangeiro ou compromisso arbitral, estabelecendo que eventuais litígios serão resolvidos em determinada jurisdição fora do Brasil, normalmente escolhidas somente pelo transportador.
Tais cláusulas vinculam as partes signatárias, mas não se estendem automaticamente a terceiros, como é o caso da seguradora sub-rogada.
A lógica do STJ pode ser resumida da seguinte forma: se nem mesmo as prerrogativas processuais em benefício do segurado podem ser herdadas pela seguradora, com maior razão não se lhe poderia impor ônus processuais decorrentes de contrato do qual ela não foi parte – como uma cláusula de foro internacional.
Assim, o Tema 1.282 oferece uma base dogmática importante para sustentar que a cláusula de eleição de jurisdição estrangeira não vincula a seguradora sub-rogada.
É por isso que a imposição de uma cláusula jurisdicional prevista em contrato de transporte à seguradora sub-rogada viola o princípio da relatividade dos contratos e extrapola os limites legais da sub-rogação.
Como já assentado no Tema 1.282 do STJ, a sub-rogação não converte a identidade da parte; apenas transfere os direitos patrimoniais. Estender à seguradora as obrigações processuais do contrato, especialmente aquelas que envolvem renúncia à jurisdição nacional, equivaleria a forçá-la a se submeter a uma convenção da qual não participou, contrariando o princípio da autonomia da vontade.
Portanto, ao se defender de uma ação regressiva proposta pela seguradora no Brasil, o transportador não pode invocar cláusula de eleição de foro estrangeiro ou compromisso arbitral para declinar da jurisdição nacional, uma vez que a seguradora, além de não ser parte no contrato de transporte, não se sub-rogou em qualquer obrigação processual ali contida.
Noutros termos: se a seguradora sub-rogada não pode se valer de direitos personalíssimos do segurado, como os consumeristas, para a adoção do foro competente; também não pode ser obrigada a se submeter ao clausulado de instrumento contratual de um negócio do qual não é parte. A razão ôntico-jurídica que atinge um lado, como vento circular, também atinge o outro. E essa impossibilidade se dá independentemente da ciência prévia ou não do teor de cada cláusula, especialmente a de imposição de foro estrangeiro e/ou de arbitragem. O contrato internacional de transporte marítimo de carga produz efeitos apenas entre as partes diretamente contratantes, e não de modo universal e irrestrito. Daí a ineficácia absoluta de seus termos aos seguradores sub-rogados. Ineficácia que se tornou ainda mais forte e defensável com a aplicação inteligente do Tema 1.282 do STJ.
Pensamos que, com o advento do Tema, nada resta a discutir; os demais argumentos, de todo modo, permanecem na reserva de um exército em perpétuo conflito. Falamos destes: invalidade dessas cláusulas porque impostas unilateralmente ao embarcador e ao consignatário de carga (segurados); natureza abusiva, porque caracterizado o dirigismo contratual (contrato de adesão); casuísmos do transportador, que impõe algo ao embarcador e ao consignatário de carga, mas reserva para si toda sorte de benefícios, como a livre escolha da jurisdição (e do foro) de seu interesse; segurado que, a rigor, não é parte do contrato, mas mero sujeito interveniente (caso do consignatário da carga), além de outros elementos e circunstâncias que sempre fizeram desse combo clausular algo inválido à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Enfim, diante da multiplicidade de contratos e relações, é natural que os litígios atinjam dimensões transnacionais, o que torna a cláusula de eleição de foro ou compromisso arbitral uma ferramenta relevante para os contratantes originais. No entanto, essa cláusula não pode ser automaticamente oposta à seguradora sub-rogada, sob pena de violação ao princípio da legalidade processual e ao devido processo.
A aplicação prática disso se dá quando o transportador, citado em ação regressiva no Brasil, invoca uma cláusula contratual que prevê o julgamento da demanda no exterior. Esse tipo de defesa deve ser rechaçado com base em dois fundamentos principais:
- A seguradora não aderiu à cláusula de eleição de foro. A cláusula é fruto da autonomia contratual entre partes determinadas. Sua eficácia contra terceiros viola o princípio da relatividade dos contratos.
- A sub-rogação não transfere obrigações processuais. Conforme fixado no Tema 1.282 do STJ, a sub-rogação não opera a substituição plena do segurado no plano processual, mas apenas o ingresso da seguradora no polo ativo com relação ao direito de crédito. Assim, a cláusula de foro internacional, sendo de natureza processual, não é transmissível nem oponível à seguradora.
Do ponto de vista estratégico, reconhecer a inoponibilidade da cláusula de foro estrangeiro à parte sub-rogada fortalece a posição das seguradoras brasileiras no contencioso internacional, permitindo que suas ações regressivas tramitem regularmente no foro nacional, com maior efetividade e previsibilidade.
É uma solução que preserva a lógica jurídica da sub-rogação sem desnaturar as garantias processuais fundamentais.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. 1. TRANSPORTE INTERNACIONAL DE CARGAS (METANOL). EXPLOSÃO DO NAVIO VICUÑA NO PORTO DE PARANAGUÁ-PR. PERDA TOTAL DA CARGA TRANSPORTADA. VALOR DO SEGURO DA MERCADORIA PAGO À IMPORTADORA. SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA. 2. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DEFICIÊNCIA NAS RAZÕES RECURSAIS. SÚMULA 284/STF. 3. DISPENSA DE TRADUÇÃO DO CONTRATO REDIGIDO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. DOCUMENTO DE FÁCIL COMPREENSÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES. 4. INSTRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA À SEGURADORA SUB-ROGADA. PECULIARIDADES DO CASO. SEGURADA QUE NÃO ADERIU À ARBITRAGEM. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTATAL. 5. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA MARÍTIMA. NORMA ESPECIAL DO DECRETO-LEI 116/1967 QUE DEVE PREVALECER EM RELAÇÃO À REGRA GERAL DO ART. 750 DO CÓDIGO CIVIL. TRANSPORTADORA QUE SOMENTE RESPONDE PELA HIGIDEZ DA MERCADORIA ATÉ O INÍCIO DA OPERAÇÃO DE DESCARGA NO PORTO. FATO OCORRIDO NO PRESENTE CASO. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA ENTIDADE PORTUÁRIA (CORRÉ CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA.). INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º, PARÁGRAFO SEGUNDO, E 6º, DO DECRETO-LEI 116/1967. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO À RECORRENTE. DEMAIS QUESTÕES PREJUDICADAS. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
- Cinge-se a controvérsia a definir: (i) se houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) se é necessário traduzir os documentos constantes nos autos em língua estrangeira; (iii) se o presente feito deve ser julgado pela arbitragem, considerando a existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo; (iv) se, no momento do início da descarga da mercadoria no Porto de Paranguá, cessou a responsabilidade da transportadora (recorrente);
(v) se o caso trata de responsabilidade objetiva; (vi) se houve comprovação do nexo causal; e (vii) se o valor fixado deve ser reduzido equitativamente.
- A recorrente não demonstrou, com clareza e objetividade, quais matérias foram alegadas nas razões de apelação e, posteriormente, reiteradas nos embargos de declaração, que não foram examinadas pelo Tribunal de origem, e nem a sua relevância para o deslinde da controvérsia. Dessa forma, ante a deficiência nas razões recursais, não é possível conhecer do recurso especial nesse ponto, em razão do óbice da Súmula 284/STF.
- As instâncias ordinárias dispensaram a tradução dos documentos redigidos em língua estrangeira, por serem de fácil compreensão, não prejudicando o exame correto das cláusulas contratuais pelo órgão julgador. Diante desse cenário, não há que se falar em violação do art. 157 do CPC/1973, sobretudo porque a parte recorrente nem sequer aponta qual seria o entendimento equivocado do Magistrado decorrente da ausência de tradução dos respectivos documentos.
3.1. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, no sentido de que, “Em se tratando de documento redigido em língua estrangeira, cuja validade não se contesta e cuja tradução não é indispensável para a sua compreensão, não é razoável negar-lhe eficácia de prova. O art. 157 do CPC, como toda regra instrumental, deve ser interpretado sistematicamente, levando em consideração, inclusive, os princípios que regem as nulidades, nomeadamente o de que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a defesa (pas de nulitté sans grief). Não havendo prejuízo, não se pode dizer que a falta de tradução, no caso, tenha importado violação ao art. 157 do CPC” (REsp 616.103/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 27/09/2004).
- Por ocasião do julgamento do REsp n. 2.074.780/PR, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a seguradora sub-rogada deve se submeter à cláusula compromissória prevista no contrato firmado pelo segurado. Por essa razão, nesses casos, a competência para o julgamento da demanda regressiva proposta pela seguradora sub-rogada será do Juízo arbitral.
4.1. Não obstante esse entendimento, o caso guarda particularidade que impõe solução diversa. É que, na presente hipótese, a cláusula compromissória em discussão foi firmada no contrato de fretamento entabulado entre a Waterfront Shipping CO. Ltd., responsável pelos afretamentos da empresa Methanex Chile Limited (exportadora do metanol), e a Sociedad Naviera Ultragas Ltda., ora recorrente, a qual era responsável pelo transporte da mercadoria. Ou seja, a segurada da autora da ação regressiva de ressarcimento não firmou nenhum contrato com a recorrente em que constava cláusula compromissória.
4.2. Logo, à seguradora sub-rogada não pode ser imputada cláusula compromissória prevista em contrato firmado por terceiros (Waterfront Shipping CO. Ltd. e Sociedad Naviera Ultragas Ltda.), sem a participação da sua segurada, ainda que tenha relação com o sinistro correlato, razão pela qual não há que se falar em competência do Juízo arbitral na espécie.
- No tocante ao transporte marítimo, há norma específica delimitando o início e o fim da responsabilidade do respectivo transportador, qual seja, o Decreto-lei n. 116/1967, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d’água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias. Dessa forma, havendo norma especial acerca da responsabilidade do transportador marítimo, deve a mesma ser aplicada ao caso em julgamento, afastando-se, assim, a regra geral prevista no art. 750 do Código Civil.
5.1. Da leitura dos arts. 3º, caput e § 2º, e 6º do Decreto-lei n. 116/1967, verifica-se que a responsabilidade do transportador marítimo começa desde o momento em que é iniciado o procedimento de carga, ao costado do navio (parede lateral da embarcação, que vai desde a linha de flutuação até a borda), com a operação dos respectivos aparelhos, e termina no momento em que a mercadoria é entregue à entidade portuária.
5.2. Ocorre que o momento considerado como de efetiva entrega da mercadoria é aquele em que se inicia a lingada do içamento, dentro da embarcação, ou seja, no início da operação de descarga. Em outras palavras, segundo a legislação de regência, não é preciso esperar o fim da operação de descarga da mercadoria no porto de destino para cessar a responsabilidade do transportador marítimo, bastando o mero início da operação para que haja o término do contrato de transporte e a responsabilidade passe a ser do recebedor da carga (no caso, da entidade portuária).
5.3. Na hipótese, é fato incontroverso nos autos que, no momento da explosão do navio Vicuña, a operação de descarga do metanol no Terminal da Cattalini já tinha sido iniciada, razão pela qual, nos termos do que estabelece a legislação especial, a responsabilidade da transportadora da carga, ora recorrente, já havia sido cessada.
5.4. Somente se ficasse comprovada a culpa da recorrente – transportadora marítima – pela explosão do navio Vicuña, e, consequentemente, pela perda total da carga transportada, é que se poderia atribuir-lhe a responsabilidade pelo respectivo ressarcimento dos valores pagos pela seguradora sub-rogada.
Entretanto, também é fato incontroverso que, após mais de um ano de investigação, a Capitania dos Portos de Paranaguá concluiu pela impossibilidade de verificação das causas da explosão.
5.5. Diante desse cenário, a responsabilidade pela perda da carga de propriedade da segurada (Synteko), cuja seguradora recorrida se sub-rogou, é da entidade portuária recebedora da mercadoria, no caso, da corré Cattalini Terminais Marítimos Ltda., que sequer apelou da sentença.
5.6. Por essas razões, impõe-se a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a ação de ressarcimento em desfavor da recorrente, ficando prejudicadas as demais alegações suscitadas no recurso especial.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp n. 1.625.990/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.)
AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO – Transporte internacional de carga – Sentença de extinção do feito, com fundamento no art. 485, IV, c/c art. 25, ambos do CPC – Alegação de incompetência do Judiciário Brasileiro – Cláusula de eleição de foro estrangeiro – Não aplicação para a seguradora sub-rogada – Competência da Justiça Brasileira – Aplicação do art. 21, I e II, do CPC – A despeito da cláusula de eleição de foro, os fatos alegados pela autora ocorreram no Brasil e a ré transportadora internacional está representada por agência brasileira – Cláusula de eleição de foro não é oponível à seguradora sub-rogada – Precedentes do C. STJ e deste E. Tribunal – Sentença anulada, com retorno dos autos à origem para regular processamento. Impossibilidade de julgamento do mérito (art. 1013, § 3º, I, do CPC) – Causa não madura, de modo que seja possibilitada ampla dilação probatória. RECURSO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.
(TJSP; Apelação Cível 1051194-68.2023.8.26.0114; Relator (a): Marcelo Ielo Amaro; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 12ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/02/2025; Data de Registro: 13/02/2025)
AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS. TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGAS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR DE EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO ESTRANGEIRO. EXTINÇÃO DO PROCESSO AFASTADA. SENTENÇA ANULADA PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. Primeiro, afasta-se a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação. Não se observou qualquer vício na fundamentação da r. sentença, a qual justificou de forma precisa as razões pelas quais entendeu pelo julgamento de extinção. Ademais, a fundamentação adotada pela sentença permitiu, inclusive, que a autora impugnasse a decisão nesta instância recursal sem qualquer prejuízo aparente. E segundo, a extinção do processo sem resolução do mérito revelou-se inadequada. Reconhece-se a competência da autoridade judiciária brasileira para o julgamento da presente demanda. Não há nos autos prova de que a segurada, direta ou indiretamente (representada) tenha subscrito algum contrato ou documento a concordar com cláusula de eleição de foro estrangeiro. Ré que trouxe para os autos um instrumento padronizado de condições gerais de contrato de transporte (fls. 643 e 645), que não serve de prova da contratação daquela disposição contratual. Além disso, ainda que admitida, tem-se que a cláusula de eleição do foro era ineficaz em relação à autora. A sub-rogação não opera efeitos em matéria processual. Assim, a seguradora não se sujeitava à escolha do foro eventualmente inserida no contrato de transporte marítimo ajustado. Precedentes do STJ e do TJSP. Não incidência de precedentes da Turma e do STJ indicados pela ré, porque em situações diferentes (em que houve prova de contratação e com pertinência à arbitragem). E terceiro, a causa não se encontra madura para julgamento, sequer sendo oportunizado às partes a especificação de provas. Existência da necessidade da fixação dos pontos controvertidos (há questões de fato a serem apreciadas) e organização das provas. Sentença anulada para que o feito tenha seu regular prosseguimento. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1086710-36.2019.8.26.0100; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/06/2022; Data de Registro: 10/06/2022)
A fixação do Tema 1.282 pelo Superior Tribunal de Justiça representou um importante marco na delimitação dos efeitos da sub-rogação legal prevista no artigo 786 do Código Civil, a ser substituído muito em breve pelo art. 94 da Lei 15.040/2024. Ele certamente será poderoso aliado na defesa da jurisdição nacional.
Ao firmar a tese de que a seguradora não herda as prerrogativas processuais do segurado — em especial aquelas previstas no Código de Defesa do Consumidor —, o STJ estabeleceu uma distinção fundamental entre os direitos materiais sub-rogáveis e os direitos processuais personalíssimos.
Esse entendimento tem desdobramentos relevantes fora do campo consumerista, especialmente no universo do transporte internacional de mercadorias.
O reconhecimento de que a seguradora sub-rogada não é parte no contrato de transporte e, por conseguinte, não está vinculada às cláusulas processuais nele previstas, é coerente com os princípios da autonomia da vontade, da relatividade dos contratos e do devido processo legal.
Permitir que cláusulas de eleição de jurisdição estrangeira sejam opostas à seguradora sub-rogada significaria estender efeitos de convenções contratuais a terceiros estranhos à relação jurídica original, o que contraria a lógica da sub-rogação e cria obstáculos indevidos ao exercício do direito de ação. Ao contrário, ao reconhecer a impossibilidade de imposição dessas cláusulas à seguradora, o Judiciário assegura o equilíbrio contratual e a efetividade da recuperação regressiva no foro natural da seguradora.
Assim, o raciocínio adotado pelo STJ no Tema 1.282 deve ser estendido aos litígios que envolvem cláusulas de foro estrangeiro em contratos de transporte internacional, a fim de proteger não apenas a coerência dogmática do instituto da sub-rogação, mas também o próprio sistema de justiça, que não pode ser manipulado por convenções que pretendem vincular quem delas jamais participou.
Insistimos nisto: o Tema 1.282 do STJ está longe de ser prejudicial para as seguradoras sub-rogadas nos casos de dano elétrico, porque os mesmos direitos arguidos até então poderão ser sustentados por outras fontes legais, especialmente a inversão do ônus da prova, mas foi e é por nós considerado um presente dos céus em relação a litígios contra transportadores internacionais de cargas, especialmente os marítimos, de modo que muito servirão à defesa, constitucional e moralmente ordenada, da jurisdição nacional.
Nunca é demais lembrar que não existe renúncia tácita ao pleno exercício da garantia fundamental de acesso à jurisdição e de que ninguém pode ser obrigado a se submeter a jurisdição estrangeira (ou a arbitragem) imposta unilateralmente, sem prévia e livre convenção dos interessados.
Terminamos indo além, e dizendo que somos favoráveis, sim, à arbitragem, desde que convencionada livremente, como a própria lei que a instituiu no Brasil determina, e a ser realizada no Brasil, com respaldo da legislação brasileira. Até lá, defenderemos a ineficácia da cláusula que a impõe nos contratos internacionais de transportes de cargas porque a seguradora não pode ser compelida a obedecer a disposição de um negócio do qual não é parte, muito menos ver prejudicado seu direito de regresso, lembrando sempre que, para a lei — a atual e a que em breve vigorará —, nenhum ato do segurado pode inibir o pleno exercício do direito de regresso. A sub-rogação não atinge situações personalíssimas ou em detrimento do ressarcimento. O Tema 1.282 do STJ, portanto, é nada menos do que um poderoso aliado.
Os autores são sócios-diretores de Machado e Cremoneze – Advogados Associados, escritório que atua pelo mercado segurador desde 1970
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