Cada vez mais fabricantes de automóveis incluem tecnologias hands-free em seus carros. O recurso permite aos motoristas o controle de recursos do veículo e de seu sistema de multimidia, como o volume/som do veículo, a seleção de músicas, conversar por telefone e até mandar mensagens de texto sem fazer o uso das mãos, tudo por meio de um sistema que funciona por ativação de voz. Será que o uso de aparelhos com tais instrumentos de fato proporciona segurança ao dirigir?
Um caso judicial nos Estados Unidos, decorrente de uma colisão de automóvel em 2015 e que resultou na morte de um homem do estado de Ohio, levantou dúvidas a respeito. O advogado de defesa, cujo cliente foi acusado de homicídio qualificado devido à troca de mensagens de texto enquanto dirigia, argumentou que o réu não violou a lei em vigor, porque ele estava usando um recurso hands-free. De fato, o uso deste tipo de mecanismo não é crime de trânsito nos Estados Unidos – assim como não é no Brasil. Mas o caso apresenta uma oportunidade para refletirmos a respeito.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet)¹ o uso de celulares, que contam o recurso de viva-voz e podem se conectar via bluetooth aos aparelhos de som dos veículos, é responsável por cerca de 57% dos acidentes de trânsito que acontecem no país entre motoristas com idade na faixa de 20 a 39 anos. Parece incerto que dispositivos que mantenham as mãos no volante e os olhos na estrada representem riscos de direção distraída.
No entanto, pesquisas apontam que até mesmo a distração cognitiva por falar ao telefone cria perigos significativos. Psicólogos da Universidade de Sussex², na Inglaterra, publicaram em 2016 um estudo que mostrou que motoristas imersos em conversas que ativam a imaginação faz com que enxerguem menos riscos ao dirigir.
Também indicou que conversar com outros passageiros traz menos risco do que falar ao celular, porque os pilotos tendem a moderar a discussão quando os perigos da estrada se tornam aparentes e compartilham pistas não verbais que criam um bate-papo menos exigente mentalmente. Sem essas pistas visuais, exige-se mais atenção da parte dos motoristas, obrigando-os a imaginar as situações narradas ao telefone.
O National Safety Council (NSC), dos EUA, também analisou a distração cognitiva e riscos de direção com o estudo técnico”Understanding the Distracted Brain: Why Driving While Using Hands-free Cell Phones Is Risky Behavior”2 (“Compreendendo o Cérebro Distraído: Porque é Arriscado Usar Celular com o Recurso com Hands-free Enquanto Dirigimos”, em tradução livre). A conclusão do relatório de 2012, que se baseou em 30 pesquisas científicas, foi de que prestar atenção a uma voz que não está presente contribui para inúmeras deficiências de direção.
Os motoristas e as empresas para as quais trabalham podem considerar o uso do telefone ao volante como uma parte fundamental da atividade. No entanto, o NSC afirma que este conceito é um mito, e vaticina: “o cérebro humano não realiza duas tarefas ao mesmo tempo. Ao invés disso, lida com elas de forma sequencial, alternando entre uma e outra. Ele pode fazer um malabarismo rápido, levando-nos erroneamente a acreditar que estamos fazendo duas coisas de forma simultânea”.
Ainda que existam leis e políticas que impeçam o uso de celulares e de outras tecnologias móveis durante a direção, muitas permitem dispositivos com recursos hands-free. Porém, a maioria delas conta com um enorme “ponto cego” em relação à distração cognitiva, tanto que o relatório da NSC fala de “cegueira por falta de atenção”, bem como atesta que motoristas olham para a frente quando usam celulares, mas perdem até 50% das informações do ambiente.
Assim, antes de fazer uso destes aparelhos, motoristas devem se perguntar: vale a pena colocar a minha vida e a de outros em risco por causa de uma ligação ou de uma mensagem não respondida? Estou realmente seguro em optar por fazer uso de tecnologias hands-free? Consigo de fato manter minha mente atenta ao trânsito enquanto converso com outra pessoa, mesmo que somente por voz?
Certamente as respostas a todas essas perguntas, se dadas com franqueza, serão: “não”. Então, eis as dicas: fale depois, mas se for de fato necessário, pare o veículo em local seguro e então desfrute dos recursos que a tecnologia proporciona.
Conteúdo Comunicação
*Por Tiago Santana, engenheiro e gerente do time de Engenharia de Riscos da seguradora Zurich no Brasil
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