A recuperação global está no caminho certo, embora condicionada a elementos-chave de diferenciação entre os países. A análise é do time de economistas da Euler Hermes. De acordo com o chefe de pesquisa macroeconômica da seguradora, Alexis Garatti, o PIB global deve atingir +5,1% em 2021, com 1/4 da recuperação sendo impulsionado pelos EUA, enquanto China deve contribuir com parcela menor, adotando progressivamente uma política econômica menos flexível. Em 2022, o crescimento do PIB mundial deve alcançar +4,0%. A Europa deve recuperar suas perdas apenas neste horizonte; enquanto os EUA, no segundo semestre de 2021.
Previsão do PIB brasileiro
Enquanto o Brasil caminha na corda-bamba fiscal e luta para fazer avançar sua agenda de reformas, as exportações de commodities podem ajudar a controlar o estímulo moderado na luta contra a Covid-19; o país se beneficia de amortecedores externos contra crises financeiras. “A má gestão da pandemia, a implementação lenta da vacinação, as pressões inflacionárias e os riscos políticos/sociais colocam a recuperação em risco e devem criar alguma pressão sobre a moeda, aumentar os custos dos empréstimos para as empresas e levar a um crescimento das insolvências na casa de dois dígitos. Esperamos um crescimento do PIB de +2,8% em 2021, + 2,3% em 2022, após uma contração de -4,4% em 2020”, prevê o economista.
De acordo com Alexis Garatti, a corrida para a recuperação dependerá da superação de sete obstáculos:
1 – A corrida da vacinação: Os riscos de execução continuarão a ser um diferenciador fundamental entre os países, com o ritmo das campanhas de vacinação levando a uma recuperação em várias velocidades e mantendo altos níveis de divergência. No ritmo atual, os EUA e o Reino Unido alcançarão a imunidade coletiva em maio, prevê a seguradora. Embora a Europa deva ser capaz de vacinar sua população vulnerável até o verão [no hemisfério norte], a imunidade coletiva não deve ser alcançada antes do outono. Entretanto, a maioria dos governos está acelerando o ritmo.
Fontes: Our World in Data, Duke University, Euler Hermes, Allianz Research
2 – O excesso de poupança ainda será 40% acima dos níveis pré-crise no final de 2021: Em um cenário relativamente otimista, esse excedente deve fornecer um vento favorável para os gastos do consumidor na ordem de +1,5% do PIB na Europa e mais de +3% nos EUA neste ano. Quase o mesmo valor pode ser adicionado para fins de investimento ou consumo no exterior, caso os efeitos da confiança se mantenham.
Os economistas da Euler Hermes calculam que cerca de 163 bilhões de euros serão transformados em consumo privado na zona do euro, o equivalente a 30% do excedente da poupança das famílias. “Nos EUA, esperamos que 50% do excedente atual seja gasto em 2021, uma vez que um afrouxamento anterior das restrições e estímulos fiscais devem impulsionar o efeito confiança. A taxa de poupança das famílias dos EUA deve voltar a um nível normal, próximo a 7% da renda bruta disponível no final de 2021”, explica Garatti.
3 – A eliminação progressiva dos mecanismos de assistência não é um jogo de somar zeros e o risco de erros permanece alto: Depois do consenso de “vamos fazer o que for preciso” em 2020, o economista afirma que a política fiscal marchará no ritmo dos tambores nacionais daqui para frente. Na China, o caminho para a normalização fiscal já foi iniciado, com metas fiscais implicando em uma clara retirada das medidas de apoio – ainda que alguma flexibilidade seja mantida para gerenciar o risco de crédito quando necessário.
A tocha da demanda global passará para os EUA, com seu gigantesco estímulo fiscal de 1,9 trilhão de dólares (9% do PIB). Em comparação, a resposta fiscal da Europa empalidece: o fundo Próxima Geração (NGEU) só estenderá uma mão amiga a partir do segundo semestre de 2021 e o impacto no crescimento deve ser moderado e atrasado, dado seu foco no lado da oferta (2/3 dos subsídios de 313 bilhões de euros serão provavelmente usados para investimentos) e pagamentos prolongados.
Fontes: Various, Euler Hermes, Allianz Research
4 – Os efeitos de crowding-in vs. crowding-out sobre o investimento ainda não foram resolvidos: O “Build Back Better” de Joe Biden nos Estados Unidos (potencialmente 2,3 trilhões de dólares), o fundo Próxima Geração da EU (725 bilhões de euros) e o plano de infraestrutura da China (+1,5 trilhão de yuans até 2025) contribuirão para apoiar a demanda e o potencial de crescimento da economia global durante o médio prazo. Mas seu sucesso dependerá da capacidade dos governos de canalizar o excedente de suas “economias” no desenvolvimento de projetos produtivos e o aquecimento do setor privado.
“Descobrimos que 100 bilhões de euros de poupança excedente poderiam aumentar o investimento empresarial em cerca de +2% a/a na Alemanha, França e Reino Unido, mas muito disso dependerá das políticas fiscais futuras e das condições de financiamento, por exemplo, empréstimos estatais para recuperação”, explica o economista.
5 – Os gargalos na cadeia de abastecimento global devem empurrar o comércio para uma recessão limítrofe no segundo trimestre: O crescimento do comércio global vai se recuperar em 2021 atingindo a marca de +7,9% em termos de volume, (excluindo os efeitos de base, +5,4%).
Segundo Garatti, é esperada “uma desaceleração temporária no segundo trimestre devido à interrupção da cadeia de fornecimento que pode custar -1,7pp no crescimento do comércio global. Além disso, o setor de serviços continuará prejudicado pelo atraso na reabertura dos segmentos mais afetados pelas restrições da Covid-19 e pelas barreiras contínuas às viagens internacionais”.
Fontes: FRED, Eurostat, Euler Hermes, Allianz Research
6 – Excesso temporário da inflação: A análise aponta ainda que é provável que um excesso de inflação seja causado por efeitos de base temporários. Portanto, o poder de precificação das empresas provavelmente permanecerá limitado, dada a dinâmica de demanda moderada: (i) excesso de poupança das famílias e NFCs que atuam como um obstáculo à velocidade do dinheiro; (ii) hiatos negativos do produto devido à menor utilização da capacidade instalada e (iii) aumento das taxas de desemprego que irão conter o crescimento dos salários (abaixo de 3%). Portanto, o economista espera que os bancos centrais façam uma reviravolta de política como uma reação à inflação.
7 – Não colocar fim à doce música da reflação do mercado: Garatti explica que ativos de risco operam sob a suposição de que o que é bom para eles – política monetária não convencional e extravagância fiscal – é bom para a economia real, o que acabará por validar seu otimismo. “Entretanto, o que vemos é uma divergência cada vez maior entre os preços dos ativos e seu valor subjacente. Ampliada por várias técnicas de gestão de investimentos (ETFs, paridade de risco) que colocam a alocação de ativos em piloto automático, essa divergência é uma vulnerabilidade”, explica.
Uma escalada inadvertida das tensões geopolíticas entre os EUA e a China, o aumento da inflação ou impulsos nacionalistas prevalecentes sobre o bem comum na Europa são todos gatilhos exógenos que poderiam reverter seu alargamento. Mas as fontes exógenas de risco são sempre mais fáceis de identificar do que as endógenas: é mais provável que o perigo venha de dentro dos mercados de capitais. Conforme mostrado pelo aumento da negociação de opções e da dívida de margem, o investimento alavancado é generalizado, assim como a confusão sobre liquidez: especialmente nos mercados de capitais, a velocidade do dinheiro (o fluxo de liquidez) é muito mais volátil do que sua quantidade (o estoque de liquidez). Na presença de alavancagem e negociação excessiva, correr riscos tende a ficar perigoso e mesmo um pequeno choque na confiança pode levar a um súbito esgotamento da liquidez, liquidações forçadas e/ou inadimplência.
Fontes: Euler Hermes, Allianz Research
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